O retorno da rede social X (antigo Twitter) em cidades como São Paulo e Belo Horizonte desde as primeiras horas desta quarta-feira (18/9) chamou a atenção de usuários e autoridades brasileiras.
Isto porque o retorno desafia uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que desde o dia 31 de agosto suspendeu o funcionamento da rede social do bilionário Elon Musk no Brasil.
A volta do X, portanto, é o mais novo episódio do embate entre Musk, considerado o homem mais rico do mundo, e Alexandre de Moraes.
Como a rede conseguiu burlar, ainda que parcialmente, o bloqueio imposto pela Justiça brasileira e voltar a funcionar no Brasil?
Segundo eles, o X passou a hospedar o seu conteúdo em uma rede conhecida como Cloudflare, uma das mais abrangentes do mundo. Ao fazer isso, o bloqueio anteriormente feito pelas operadoras brasileiras passou a não surtir mais efeito.
Os especialistas ouvidos se dividem quanto ao objetivo da mudança. Para um deles, seria temerário afirmar que a mudança adotada pelo X teria como objetivo principal dar um "drible" na determinação de Moraes.
Para outro, haveria evidências de que a manobra feita pelo X teria como objetivo específico burlar a ordem do STF.
Em nota enviada após a publicação da reportagem, o X afirmou que a volta da rede social em algumas partes do Brasil foi "inadvertida e temporária".
"Embora esperemos que a plataforma fique inacessível novamente no Brasil em breve, continuamos os esforços para trabalhar com o governo brasileiro para retornar muito em breve à população do Brasil", diz a nota, que não menciona a Justiça brasileira.
O comunicado afirma também que de fato houve uma mudança no servidor usado.
"Quando o X foi suspenso no Brasil, nossa infraestrutura para fornecer serviço para a América Latina não ficou mais acessível à nossa equipe. Para continuar fornecendo um serviço de excelência para nossos usuários, mudamos de servidor. Essa mudança resultou em uma restauração inadvertida e temporária do serviço para usuários brasileiros", diz o texto.
Bloqueios e 'caminhões de placas trocadas'
O diretor de tecnologia da empresa Sage Networks, Thiago Ayub, explicou como se deu a mudança que permitiu o retorno do acesso ao X ao país.
Ele disse que, anteriormente, o X hospedava os seus serviços em seus próprios provedores.
Agora, ele explicou, o X passou a utilizar uma rede terceirizada, a Cloudflare, uma das principais empresas do setor de hospedagem de conteúdo e cibersegurança.
O especialista disse que, quando o STF determinou o bloqueio do X no Brasil, as operadoras e provedoras de internet do Brasil acataram a ordem negando o acesso aos endereços IPs dos provedores do X no país.
Agora, no entanto, o conteúdo encontra-se em outro endereço e fora, portanto, da lista de endereços bloqueados anteriormente.
Ayub compara os provedores a empresas de logísticas que, para fazer uma entrega, precisam usar caminhões.
Segundo ele, é como se em vez de usar caminhões com placas vedadas pelo bloqueio do STF, o X estivesse usando os "caminhões" da uma empresa diferente com placas que não estavam na lista usada pelas operadoras até então.
Como as placas são distintas, o bloqueio não funciona.
"Cada conexão de internet possui um número de identificação chamado endereço IP. Ele é parecido com uma placa de carro. Esse novo servidor, como usa outra estrutura, é como se fosse um outro caminhão com outra placa, e por isso não fazia parte da lista de bloqueio inicial", disse.
Risco de apagão?
Para Ayub, a medida adotada pelo X criou um problema adicional ao STF, à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e às operadoras e provedoras de internet no Brasil.
Segundo ele, para tirar o X do ar novamente, seria necessário, em princípio, bloquear o acesso à rede Cloudflare.
Isso poderia prejudicar uma série de outros serviços, com bancos, plataformas baseadas na internet e até mesmo os pagamentos via Pix.
"A situação é bastante complicada. Bloquear os servidores da Cloudlflare seria, por tabela, bloquear todos os clientes que utilizam os mesmos serviços. Várias empresas importantes do exterior e do Brasil têm sites hospedados indiretamente pela mesma infraestrutura. Isso poderia resultar num apagão de diversos sites populares no Brasil", disse.
Ayub afirmou que as operadoras e provedoras de internet do país ainda não se decidiram sobre o que farão agora.
David Nemer, especialista em antropologia da tecnologia e professor da Universidade da Virginia, avalia o dilema de forma parecida.
"As operadoras podem bloquear a Cloudflare, mas vai bloquear a plataforma toda, afetando sites e serviços que não têm nada a ver com o X", disse.
Segundo Nemer, a única alternativa técnica para que o X fosse novamente bloqueado no Brasil seria a própria Cloudflare fazer este bloqueio. O problema, segundo Nemer, é que a empresa também não teria um representante no Brasil.
Já Felipe Autran, advogado constitucional, afirmou acreditar que a Cloudfare cooperaria com os órgãos brasileiros, "já que são um grande provedor para muitas empresas brasileiras e também para o governo".
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